Confesso que quando vim trabalhar no centro da cidade, mais precisamente na região da praça da República, não gostei muito da ideia, mas como 60% das agências de viagens, operadoras e algumas cias aéreas ainda permaneciam nesse pedaço da cidade, não tive muita escolha. Na época, poucos hotéis bons permaneciam abertos aqui, o prédio do Hilton, que já foi considerado o melhor do Brasil, apenas enfeitava a paisagem, contrastando com o cinza do edifício Itália, como já dizia Tom Zé em A Briga do Edifício Itália e do Hilton Hotel, ''O Edifício Itália ficou enciumado e declarou a reportagem de amiga: que o Hilton, pra ficar todo branquinho, toma chá de pó de arroz''. Apesar da ausência de música, o Hilton também contrasta com o cinza sujo, atualmente azul por causa da tela para fazer a manutenção, das pastilhas velhas do Copan. Já li que nossa arquitetura é esquisita, mas como adoro observá-la, quanta história me vem a mente. Se a vontade é tomar um vento na cara, bastar visitar o topo do Edifício Itália e contemplar a vista da cidade.
Imagino o centro de outrora, o glamour que era tudo isso.
A ausência de shoppings na década de 60 que fez com que os paulistanos se encontrassem
na galeria Metrópole e Oscar Niemeyer, já muito antes do Shopping Cidade Jardim
com sua mistura de prédios para morar e centro de compras, idealizou isso na
galeria do Copan. Descendo um pouco na Ipiranga, gosto de observar o Edifício
Ester. Há comparações com o seu vizinho lindo arquitetônico do outro lado da
rua, o Caetano de Campos. O Ester faz o estilo básico, ''quadradão'', talvez já
numa ideia de modernização da cidade, porém é nostálgico e escuro por dentro e
não me peça para andar de elevador lá!
Do outro lado da praça, o Eiffel, aquele dos ''braços
abertos'', tem uma vista linda da praça e foi projetado por Oscar Niemeyer
também, mesmo com a ausência das curvas que caracterizam suas construções e que
sou apaixonada quando ele mesmo disse que '' Não é o ângulo reto que me
atrai... o que me atrai é a curva livre e sensual...''.
Transitando pelas ruas bagunçadas, antes glamorosas, hoje cheias de
ambulantes, gente louca que canta, prega, vende produto para lavar chão, penso
que a Barão de Itapetininga já foi uma espécie de Avenida Paulista e que a Rua
Marconi foi a primeira versão da Oscar Freire da cidade, lojas de roupas, alfaiates
e modistas. A brincadeira do lencinho para paquerar nas imediações da Don José
de Barros e sua primeira loja da doceria Dulca. No final de tudo isso o majestoso
Teatro Municipal, contrasta mais uma vez com a arquitetura moderna do Edifício
da Light, de forma inteligente, transformada em shopping. Gostoso perder uns
minutinhos na Renner no piso térreo, observar as grandes janelas próximas do
caixa, com vista para o Vale do Anhangabaú. O Edifício das Casas Bahia, antigo Mappin, sei lá, para mim perdeu a
identidade, o Mappin era mais legal!
Voltando para a Ipiranga, a esquina eternizada por
Caetano Veloso já não me dá tanta graça, mas não encontrei nada ainda que
descreva tão bem nossa confusão diária como Sampa.
Entrando a esquerda, descobrir o
Largo do Paissandú, a esquina faz até uma curva bonita e logo ali o charmoso Ponto
Chique. Como é gostoso não sentir o tempo passar lá dentro enquanto respira e
saboreia história. Continuando, o Paço das Artes, espaço diferenciado, mais um contraste
de arquitetura, próximo do antigo Cine Marrocos, atualmente invadido. Uma pena
a cidade perder mais uma opção de lazer com o fechamento desses cinemas de rua,
espaços, vamos dizer, glamorosos (não consigo usar outra palavra). Um sonho ver
todos restaurados e destinados ao lazer do paulistano mais uma vez, trazendo
vida ao centro da cidade. Continuando, prédio dos correios, Martinelli, rua
quinze de novembro, casinha de madeira fofa dos engraxates, comer um doce
maravilhoso e sentir o aroma de açúcar na Casa Matilde.
Trabalhar no centro é sentir a nostalgia de outros tempos
que talvez eu tenha vivido em outras vidas, pois não encontro explicação para
tanta paixão por esses lugares que fazem parte da minha rotina e outros que
cada dia mais venho descobrindo. Mesmo com a modernidade dos carros transitando,
do metrô, das pessoas em suas bicicletas e smartphones, tudo possui um jeito
único e especial, mesmo que tenhamos certa insegurança com a existência dos
moradores de rua, dos ambulantes, das prostitutas mais ausentes na luz do dia e
outras coisas que por algum instante fazem perder esse charme.